A SUPER explica tudo sobre um dos assuntos mais comentados da atualidade
por Willian Vieira e Maurício Horta
De onde vem o pré-sal?Há
130 milhões de anos a América do Sul e a África começavam a se separar
fisicamente. E, na rachadura entre os dois continentes, um caldo de
matéria orgânica foi se acumulando. Enterrado então por uma imensa
camada de sal e por sedimentos, esse cemitério de plâncton cretáceo se
tornaria o novo passe para o "país do futuro".
Esse óleo é bom?O
petróleo do
pré-sal
não é dos melhores, mas ainda assim é bem superior ao do pós-sal. Hoje,
70% dele é do tipo "pesado". Ou seja, tem enormes cadeias de carbono em
sua composição. Para virar produtos de alto valor, como diesel,
gasolina
e lubrificantes, essas moléculas precisam ser quebradas em outras
menores. Mas, como isso encarece muito o refino, ele acaba valendo bem
menos. Já o
pré-sal tem
petróleo
de densidade média - mais fácil de refinar, e mais valioso. Essa
diferença de qualidade acontece por causa das temperaturas nas
profundezas do
pré-sal. O calor de 150 ºC não permitiu proliferar as bactérias que no pós-sal comeram as frações mais leves do óleo.
1. RACHA TECTÔNICOHá
600 milhões de ano, o mundo era dividido em dois supercontinentes: a
Laurásia e Gondwana. Mas os movimentos de placas tectônicas começaram a
separá-los. Gondwana perdeu a Austrália, a Índia, a Arábia... e, há 130
milhões de anos, foi a vez de uma fenda separar a África da América do
Sul.
2. LAGO DANTESCOAs regiões onde se
formariam as bacias de Campos e de Santos foram varridas por terremotos,
cheias de rios, desmoronamentos e tempestades. A cada catástrofe,
enormes fluxos de sedimentos se depositaram no fundo da fenda. Assim se
criou um lago estreito de água salobra de 800 km de comprimento.
3. ENSOPADO ORGÂNICOEsse
lago virou um enorme pântano rico em plâncton - organismos como
bactérias e crustáceos microscópicos. Conforme essa matéria orgânica se
depositava, ela se misturava a finas partículas de argila, areia,
calcário e conchas. Formou-se então a rocha porosa em que o
petróleo está armazenado.
4. O SAL DO PRÉMas
a atividade tectônica não parou por aí. Com o afastamento dos
continentes, as águas do oceano passaram a invadir o lago, formando um
mar longo e estreito. Assim que a água salgada evaporava, acumulava uma
camada de sal no leito do mar. Com o tempo, o sal atingiu 2 mil m de
profundidade.
5. HABEMUS OLEUM!O mar
continuou se alargando e formou o Atlântico Sul. Com o calor e sob a
pressão da água, do leito oceânico, do sal e de rochas, a matéria
orgânica virou
petróleo nos últimos 20 milhões de anos.
Quais os desafios para extraí-lo?
ILHAS FLUTUANTESAs
plataformas serão como navios ancorados a 3 km do leito do mar. Cada
uma terá até 200 funcionários, que virão em super-helicópteros capazes
de vencer distâncias para aviões: 300 km em 80 minutos.
FURA, FURA, FURAAinda
não se sabe como as sondas vão vencer 2 km de sedimentos e 2 km de sal,
que se comporta como uma massa plástica e impermeável teimosa.
DUTOS PODEROSOSPara
escoar o óleo, será necessário desenvolver dutos que aguentem pressões
de 400 atmosferas, gases corrosivos, altas temperaturas e grandes
trações (a plataforma fica balançando). E a um custo baixo.
ANTICHOQUE TÉRMICOO
óleo sai de 150 ºC lá de baixo do sal e chega a 4 ºC na lâmina d’água -
e nesse resfriamento ele pode coagular e entupir os dutos. Falta ainda
achar uma solução química para impedir essa formação de cristais.
GÁS, O PRESENTE MALDITOJunto com o
petróleo
vem de brinde o gás natural. Maravilha? Não. Para transportar o gás, é
necessário um caro gasoduto oceânico de 300 km ou liquefazê-lo na
plataforma - processo que desperdiça energia.
Qual o tamanho da coisa? Ninguém sabe. Mas as estimativas da Agência Nacional do
Petróleo é de que, com o
pré-sal, o Brasil tenha 50 bilhões de barris de
petróleo,
só nas áreas prospectadas. E, se depender de anúncios mirabolantes do
Ministério de Minas e Energia, esse número pode atingir 150 bilhões de
barris. Se for verdade, o Brasil ultrapassará o Irã como a 3ª maior
reserva do mundo.
Na fileira da frente Empresas com maior valor de mercado do mundo, em US$ bilhões.
Reservas brasileiras estimadas Quanto mais explora, mais encontra (em bilhões de barris de
petróleo).
QUEM VAI PAGAR A CONTA?Os acionistas da
Petrobras - incluindo o maior deles, o governo brasileiro. A
Petrobras
vinha emprestando grana para fazer seus imensos investimentos. Só que a
dívida bateu em 34% de todo seu patrimônio. Com a corda no pescoço, não
podia mais emprestar - o que ameaçou seus planos de investir mais US$
224 bilhões até 2014. Só sobrava uma opção: criar novas ações e ver se
investidores se interessariam. Deu certo. No dia 30 de setembro, a
Petrobras ficou um Iraque inteiro mais rica e pulou de 21ª para 4ª maior empresa do mundo. Foi a capitalização da
Petrobras - a maior da história.
Mas
aí há um probleminha. Quando uma empresa emite ações, os papéis que os
acionistas possuíam passam a representar uma porcentagem menor do novo
total. E tudo o que o governo não queria é perder espaço na mais
estratégica empresa do país. Ele foi então às compras. Sem poder tirar
dinheiro da cartola, ele usou outra moeda:
petróleo do
pré-sal. Cedeu à
Petrobras 5 bilhões de barris ainda debaixo da terra, e, em troca, aumentou sua participação de 40 para 48% das ações. Por seu lado, a
Petrobras
pagou US$ 8,51 por barril. Quando a empresa extraí-lo, vai valer mais -
hoje, passa de US$ 80. Mesmo assim, isso custou à estatal R$ 74,88
bilhões, grana em parte emprestada do BNDES, por sua vez vinda da
emissão de títulos do Tesouro. Ou seja, o governo pagou parte da conta.
E os tais royalties?Se você encontrou
petróleo
ao fazer um buraco no quintal, não, não ficou rico. O que jorrar é da
União. Para ter direito de explorá-lo, vale a mesma regra de gravar a
música de outra pessoa: tem que pagar royalties. Hoje, 30% dos royalties
vão para a União, 26,25% para estados produtores, 26,25% para
municípios produtores, 8,75% para municípios atingidos pelo transporte
do
petróleo
e 8,75% para demais estados e municípios. O argumento para essa divisão
é que os royalties servem para compensar estados e municípios
produtores com o que gastarem em infraestrutura, e compensar possíveis
danos ambientais. Mas quem não mama chora: deputados de estados não
produtores propuseram distribuir os royalties para todos - o que tiraria
R$ 8 bilhões do Rio. Isso, claro, engatilhou uma guerra entre estados. O
Congresso já aprovou a mudança, mas até o fechamento desta edição o
então presidente Lula disse que a vetaria.
Como vão partilhar o tesouro?DO VALE-TUDO...Nos campos do pós-sal, a empresa que achar
petróleo decide o que fazer com ele.
1. Em 1997, FHC acabou com o monopólio da
Petrobras; pode explorar óleo a empresa que comprar uma concessão.
2.
Esse sistema parece uma mamata, mas não é bem assim: no pós-sal, o
risco de investir horrores em prospecção e não achar nada de
petróleo é alto.
3. Quem assumir esse risco faz o que bem entender com o óleo que achar, desde que pague royalties ao governo.
...À MÃO DO ESTADOJá no
pré-sal o governo faz pesar o punho: controla a venda do óleo e favorece a
Petrobras.
1. Como o risco de não ver óleo no
pré-sal é baixo, o governo mudou a regra: licita um campo, que vai para quem oferecer mais lucro à União.
2. O contrato pode ser exclusivamente com a
Petrobras.
Se houver a participação de outras petroleiras, a estatal fica com a
operação e uma participação de pelo menos 30% do consórcio.
3. Mesmo depois de extraído, o
petróleo ainda pertence à União.
4. Depois de vender o óleo, a estatal
Pré-Sal Petróleo divide a grana entre União e petroleiras.
O que vão fazer com a grana?Soa estranho, mas o melhor é tirar o dinheiro do Brasil. A exportação de
petróleo
inundaria o país de dólares, o que explodiria o valor do real. Ficaria
então mais barato comprar produtos importados que os daqui. Isso levaria
a indústria nacional para a cucuia e aumentaria o desemprego. O
pré-sal
seria então gasto para remediar problemas sociais que ele mesmo criou. É
a doença holandesa - maldição batizada assim quando a exportação de gás
na Holanda minou sua economia nos anos 70. Para se livrar dessa, o
Brasil vai criar o "Fundo Social". Veja como será.
Vacina antidoença holandesaUm fundão vai evitar a invasão de moeda estrangeira.
1. A parte da receita do
pré-sal
que cabe à União vai para o Fundo Social - uma poupança pública de
longo prazo. A ideia é que esse fundo deposite grana fora do Brasil, o
que compensaria a entrada de dólar vindo do
petróleo.
2.
O Fundo Social vai investir em títulos de governos estrangeiros, que
têm baixo risco, e em ações de empresas fora do setor petrolífero.
Assim, o fundo servirá de "colchão" quando o
petróleo estiver em baixa.
3.
Enquanto essa "poupança" deve continuar guardadinha, o governo deve
sacar apenas seus rendimentos. Com essa grana, promete investir em
tecnologia, educação, saúde, ambiente e combate à pobreza.
Pode dar tudo errado? Sim, mas é pouco provável. Para a maioria dos países, o
petróleo foi uma maldição. Felizmente a balança no Brasil pende para o lado bom
O pré-sal te dá asas Sempre que o Brasil cresce, vira voo de galinha: o baixo investimento cria "gargalos" na economia. Mas o
pré-sal
aumentará esse investimento, o que pode sustentar o crescimento.
Compare a porcentagem de investimentos no PIB de outros Brics.
Somos de fato autossuficientes? Ainda não. Embora o Brasil extraia mais
petróleo do que consome, o cálculo engana. Como parte das refinarias brasileiras foi construída nos anos 70 para o
petróleo
leve importado do Oriente Médio, não conseguimos refinar todo o nosso
óleo pesado. E aí o que fazemos é como exportar laranja e importar suco.
Mas 5 novas refinarias vão dar conta do mercado interno - e externo.
Na Arábia Saudita, o
petróleo
financia uma monarquia autoritária. Na Nigéria, alimenta conflitos
étnico-religiosos. Na Venezuela, domina a economia ao ponto de a PDVSA, a
"
Petrobras"
deles, virar um Estado dentro do Estado, e outro setores econômicos
acabarem aniquilados. Mas é pouco provável que isso aconteça no Brasil. O
país já era uma democracia estabelecida quando achou as megarreservas;
sua economia é sólida e diversificada: apenas 8% do PIB vem do
petróleo, contra 80% na Venezuela. E o Fundo Social deve evitar a doença holandesa.
Mas há margem para receio. O peso do setor do
petróleo na economia aumenta sem parar - de 2,8% em 1996 foi para 8,1% em 2004, e a
Petrobras mais que dobrou de tamanho. Isso antes de o
pré-sal
ser encontrado. Com o Estado controlando grande parte do setor, "o
maior risco é o país não ter instituições fortes que impeçam a
apropriação errônea desses recursos por grupos de poder", diz Maurício
Canêdo , da FGV.
Brasilzão• Fundo Social (FS) evita que o real se valorize demais ao aplicar receita do
petróleo no exterior.
• Investimento do FS em educação e tecnologia torna o Brasil polo de inovação e criatividade.
• Indústrias naval, petroquímica, siderúrgica e petroleira de nível global, pois não foram protegidas da competição estrangeira.
• Brasil vira a 5ª maior economia do mundo em 2025.
Brasilistão• 11,52% do PIB se concentram nas mãos da
Petrobras.
• Esses recursos são apropriados por grupos de poder.
• Política protecionista alimenta uma indústria ineficiente e sem competitividade.
• Terminados os investimentos da exploração do
pré-sal, essa indústria desaparece.
• Brasil continua esperando ser o país do futuro.
O que o petróleo trouxe em outros países?Bem-estar social - NoruegaExportação de
petróleo - 1°
IDH - 4°
Índice de democracia - 5°
Recebeu de fato um bilhete premiado ao descobrir
petróleo
nos anos 60. Ainda que o setor petrolífero represente um quarto do PIB,
um fundo soberano imunizou o país contra a doença holandesa - ele serve
de colchão em crises e só rendimentos são gastos. A indústria não foi
protegida por reservas de mercado, e se manteve competitiva.
RIQUEZA - Emirados Árabes UnidosExportação de
petróleo - 3°
IDH - 32°
Índice de democracia - 150°
A
descoberta de jazidas em 1958 transformou esses emirados atrasados em
um dos maiores centros financeiros mundiais. Um dos ingredientes é o
fundo soberano de Abu Dabi: US$ 627 bilhões acumulados desde 1976. Com
seus rendimentos, o governo diversifica a economia local para quando o
óleo acabar.
POPULISMO - VenezuelaExportação de
petróleo - 10°
IDH - 75°
Índice de democracia - 93°
Antes de Hugo Chávez, o
petróleo
concentrava renda. Depois, dele, concentrou poder no Estado. Com os
lucros da estatal PDVSA, que detém 80% do PIB, Chávez financia o
"socialismo do século 21": projetos sociais populistas, nacionalização
da economia, expropriação de negócios e mudança na Constituição para se
reeleger eternamente.
DITADURA - Arábia SauditaExportação de
petróleo - 1°
IDH - 55°
Índice de democracia - 159°
A dona de um quarto do
petróleo
do mundo é uma monarquia conservadora que proíbe partidos políticos,
torra 10% do PIB em gastos militares e financia extremistas islâmicos. O
petróleo
é responsável por 75% da economia, e a mistura de religião e dinheiro
da estatal Saudi Aramco impossibilita qualquer mudança rumo à
democracia.
TEOCRACIA - IrãExportação de
petróleo - 8°
IDH - 70°
Índice de democracia - 139°
É governado por presidentes eleitos de forma desacreditada e por um conselho religioso conservador. O
petróleo traz 80% do orçamento do governo, que subsidia desde o pão até a
gasolina,
alimenta um programa nuclear e financia grupos paramilitares no Oriente
Médio. A indústria local é ineficiente e o desemprego, altíssimo.
CAOS - NigériAExportação de
petróleo - 7°
IDH - 142°
Índice de democracia - 124°
O
petróleo
alimenta sangrentas disputas religiosas e étnicas e beneficia grupos
ligados ao governo, mergulhado em corrupção. Aliados têm apoio para
explorar jazidas sem investir em estrutura. O resultado é que, nos
últimos 50 anos, já vazaram mais de 546 milhões de litros de
petróleo por falta de estrutura ou por sabotagem política.
Onde vão surgir empregos?
INDÚSTRIA QUÍMICA (Nordeste e RJ)O setor negocia ficar com 4% de todo o
petróleo do
pré-sal.
Com matéria-prima barata e US$ 167 bilhões previstos em investimentos, a
indústria química ficaria bem mais competitiva internacionalmente. E a
presença de refinarias no Nordeste podem tornar a região um novo polo
industrial.
ESTALEIROS (PE, CE, AL, BA, RJ, RS)Em 2010 a indústria naval brasileira lançou ao mar o primeiro navio nacional em 13 anos. E a coisa vai estourar: por enquanto a
Petrobras
já encomendou 146 embarcações, com exigência de pelo menos 80% de
conteúdo nacional - a US$ 5 bilhões. Isso sem contar plataformas - não
se sabe quantas a
Petrobras encomendará.
OUTRAS INDÚSTRIASA exploração do
pré-sal
tem trazido encomendas de equipamentos como helicópteros, submarinos,
robôs, tudo mais ou menos made in Brazil, na marra. Isso pode trazer
para cá centros de pesquisas tecnológicas de empresas estrangeiras -
como a GE, que deve fazer no Rio seu 5º centro de pesquisas mundial, por
US$ 150 milhões. Ele deve ter 300 funcionários, a maioria doutores.
EDUCAÇÃO, A VENCEDORAAté 2012 a
Petrobras
quer contratar 207 mil profissionais. Para dar conta desse tsunami
petroleiro, cerca de 100 novos cursos superiores voltados ao
petróleo
já pipocaram nos últimos dois anos, a maioria para tecnólogos. Mas o
que mais falta é engenheiro: o déficit em 2012 será de 150 mil
profissionais. Ainda assim, apenas 1 em cada 800 vestibulandos
escolheram engenharia. E você? Vai perder essa?